30 de abril de 2019
26 de abril de 2019
18 de abril de 2019
A Diáspora Dos Anussim Açorianos Para o Brasil Colonial
I – O TRIBUNAL DA INQUISIÇÃO EM PORTUGAL
O Tribunal do
Santo Ofício da Inquisição em Portugal foi instituído, definitivamente, depois
de diversas tentativas, pela Bula do Papa Paulo III, em 23 de maio de 1536,
isto é, quarenta anos após a "expulsão" dos judeus das terras
lusitanas, em 5 de dezembro de 1496, por édito promulgado pelo Rei D.Manuel I,
em Muge, próximo a Lisboa. D.Manuel, como seus antecessores, sempre protegeram
os "seus" judeus, mas devido a seu interesse em casar-se com uma princesa
espanhola, aceitou a condição que lhe foi imposta pela noiva: a expulsão dos
judeus de Portugal. Entretanto, a vontade do rei não era essa já que os judeus
emprestavam dinheiro à Coroa e lhe pagavam muitos impostos. D. Manuel disse que
daria barcos para quem quisesse sair do Reino, o que foi feito para poucas
famílias abastadas, entre elas as famílias de Abraham Zacuto, cosmógrafo,
matemático e filósofo que aperfeiçoou as Tábuas de Navegação criando o Almanach
Perpetuum, trabalho que permitiu o desenvolvimento das navegações portuguesas e
a de Isaac Abravanel, banqueiro. A grande massa dos judeus de Lisboa e
arredores, num total de aproximadamente vinte mil pessoas ficaram "a ver
navios", isto é, sem os barcos prometidos pelo rei. Era o que o monarca
queria e ordenou aos sacerdotes católicos que batizassem a todos os que estavam
na Ribeira à espera dos barcos que não chegaram. Os cronistas da época contam
que o desespero era grande entre judeus devotos. Os infelizes judeus
portugueses foram arrastados a pia batismal ou simplesmente lhes era jogada a
água benta na cabeça para que se tornassem cristãos. Houve mães que jogaram
seus filhos ao mar ou se suicidaram rejeitando o chamado "batismo em
pé". É que os filhos até catorze anos eram arrancados dos braços das mães
e entregues a famílias cristãs para adoção ou eram degredados para o
arquipélago africano de São Tomé, onde grande parte morreu devido às condições
inóspitas daquelas ilhas, chamadas à época as dos Crocodilos.
Foi assim o
surgimento dos cristãos-novos em Portugal. Ao serem batizados, tomavam o nome
do padrinho, ou traduziam seus nomes hebraicos para o português, como Jacob
Shalom tornou-se Thiago da Paz, havendo transformações de nomes de toda a
ordem, tornando-se hoje, mais difícil a pesquisa para se saber quem descende de
judeus. Eles adotaram, praticamente, todos os sobrenomes portugueses, inclusive
nomes de árvore como Carvalho, e de animais como Leão e Lobo símbolos totêmicos
das tribos de Judá e de Benjamim respectivamente, Passarinho, tradução de Zippor,
nomes de cidades como Porto, Lisboa, Almada além de outros critérios. Um
batismo famoso foi o de Gaspar da Gama, cujo nome verdadeiro não se tem
certeza, o intérprete de Pedro Álvares Cabral, o primeiro cristão-novo a pisar
oficialmente o solo brasileiro. Ele foi encontrado em Angediva, Índia, em 1498,
quando Vasco da Gama lá chegou pela primeira vez descobrindo o caminho para as
Índias, com o nome de Yusuf Adil, dizendo-se natural da Polônia e falando
vários idiomas, entre eles o espanhol. Vasco da Gama obrigou-o a ser batizado
como católico, oferecendo-se como padrinho e dando-lhe, daí em diante, o nome
de Gaspar da Gama. Embarcado para Portugal sem a família, já que sua mulher
recusou-se ao batismo e fugiu, Gaspar tornou-se famoso na Corte portuguesa onde
era conhecido como Gaspar das Índias e ganhou muitas mercês. Convocado por
Cabral integrou a frota como marinheiro e intérprete, ou "língua"
como chamavam na época. Mais tarde envolveu-se, Gaspar da Gama, com o
contrabando proibido de Bíblias hebraicas para as sinagogas orientais,
principalmente a de Cochim, a mais antiga do Oriente em funcionamento desde o
Século XVI até os dias atuais. Essas bíblias, rolos contendo em hebraico os
cinco primeiros livros da Bíblia e que se chamam Torá e no plural Torot, tinham
sido confiscadas das sinagogas de Lisboa e de outros lugares do país. Mas
Gaspar safou-se destas acusações e teve uma vida de fidalgo em Portugal. A
solução dada por D. Manuel foi cruel para os judeus portugueses, que desde
épocas imemoriais viviam em Portugal talvez trazidos pelos romanos. Em 1300, na
tomada de Santarém aos mouros, foi encontrada uma sinagoga na Judiaria, como
eram chamadas as comunidades judaicas no território luso, daquela cidade. Na
verdade existiam Judiarias, também chamadas de Alfamas, ou Rua dos Judeus, em
praticamente todas as cidades lusitanas. Em Lisboa chegou a existir três
comunidades, cada uma com sua escola, açougue casher, que segue as leis
dietéticas judaicas, sinagoga ou esnoga como denominavam os judeus lusitanos e
com seu Arrabi-Mór, o rabino chefe. A comunidade judaico-portuguesa era
estimada em torno de 100 mil pessoas para uma população geral de um milhão de
habitantes, tendo sido acrescida em 1492, quando da expulsão dos judeus da
Espanha, de outros 100 mil. Conforme estimativas da época, formavam um quinto
da população portuguesa, muitos deles ricos banqueiros ou mercadores, mas, em
sua maioria artesãos, alfaiates, sapateiros, armadores, boticários, médicos,
ferreiros etc.
Os
cristãos-novos viveram anos sem serem molestados, muitos deles praticando sua
religião em casa, até o surgimento do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição em
Portugal em 1536, instituição que já existia na Espanha e tomou os moldes
desta. As Inquisições surgiram com as heresias praticadas no Sul da França
(Cátaros e Albigenses) e mesmo na própria Roma. A heresia era tudo aquilo que
contrariasse os cânones católicos, um afastamento dos dogmas da Igreja Romana.
Tendo sido sempre reprimidas com força e violência pelas autoridades
eclesiásticas. Morrer queimado na fogueira era a pena maior, às vezes,
queimados vivos, mas na maioria das vezes já garroteados. As penas eram muitas,
entre elas passar o resto da vida vestindo os Sambenitos, que eram roupões
compridos com dizeres e desenhos de insígnias de fogo e demônios. Depois da
morte dos penitenciados, esses Sambenitos eram pendurados nas Igrejas sempre
identificados com o nome de quem os usou, para que seus descendentes ficassem
com fama de judeus para o resto de suas vidas. Eram penitenciados também com a
pena das galés, remando ou trabalhando nas naus, por anos ou para sempre, isto
é, até morrer. A melhor pena era o desterro para o Brasil ou para as colônias
portuguesas na África. Nesses territórios colonizados pelos lusitanos, os
cristãos-novos tinham mais liberdade, e não enfrentaram tribunais
inquisitoriais, tendo apenas recebido, como no Brasil, nas Ilhas Atlânticas
(Arquipélago dos Açores, Madeira, São Tomé e Príncipe) e Angola, Visitações,
que consistiam em visitas de bispos com poderes para receber denúncias de
práticas das religiões: judaica, maometana, protestante, e ainda, feitiçaria,
bruxaria, blasfêmia, sodomia, solicitação, e outros "delitos"
menores. O Tribunal do Santo Ofício da Inquisição só foi abolido em Portugal em
1820.
II – OS CRISTÃOS-NOVOS NO BRASIL
Depois do
descobrimento, quando Gaspar da Gama aqui desembarcou, os cristãos-novos não
pararam de chegar ao Brasil. Logo em 1502, o Brasil foi arrendado a um
consórcio de comerciantes cristãos-novos comandados por Fernando de Noronha,
descobridor da ilha que leva hoje seu nome. Eles exploraram, numa espécie de
contrato de risco, o comércio de pau-brasil por alguns anos até que a Coroa se
interessasse mais pelo novo território descoberto, uma vez que os olhos dos
monarcas lusitanos estavam voltados para o Oriente, especialmente a Índia, de
onde vinham as especiarias vendidas em toda a Europa. Em seguida, 1516, com a
implantação das feitorias na costa e os engenhos de açúcar, chegam mais
imigrantes e degredados portugueses, entre eles, muitos cristãos-novos. Os
chamados degredados, em sua maioria, eram penitenciados pela Inquisição cujo
delito era ter atentado contra fé católica e os costumes então vigentes e não a
escória de Portugal como querem fazer crer algumas pessoas. Esses cristãos-novos
conheciam o trabalho da moagem de açúcar, da Ilha da Madeira ou da Sicília,
enriquecendo nesse trabalho como donos de engenhos no Nordeste brasileiro. Esta
riqueza talvez tenha sido o fato que despertou a cobiça do tribunal
inquisitorial que tentou, mas não conseguiu ser implantado no país. O que de
fato ocorreu foram as Visitações do Santo Ofício, sendo a primeira em 1591-1595
na Bahia e em Pernambuco, chefiada por Heitor Furtado de Mendonça. Seguiram-se
outras em 1599 e 1610, em Olinda e Salvador, respectivamente, quando foram
denunciados e presos centenas de cristãos-novos. Durante esse período, em 1605,
houve um grande perdão geral em Portugal aos cristãos-novos, permitindo,
inclusive, sua saída legal do país para as colônias. Em 1618, o bispo visitador
D. Marcos Teixeira, recebeu a denúncia de 134 pessoas, sendo 90 delas pela
prática do Judaísmo. Entre eles estava Simão Nunes de Mattos, que além de
judaizar, praticar a religião judaica, possuía uma Sefer Torá, livro sagrado
dos judeus. Foi denunciado também por ter colocado uma moeda na boca do
falecido costume esse adquirido dos gregos da lenda da moeda de Caronte, Gaspar
Dias de Moura, em seu velório num engenho de açúcar.
No período
holandês em Pernambuco, quando havia liberdade de culto, floresceu uma
comunidade judaica portuguesa em Recife, com duas sinagogas a Zur Kadosh
Israel, a primeira das três Américas comandada pelo famoso rabino Isaac Aboab
da Fonseca, natural de Castro D'Aire, Portugal, que escreveu o primeiro poema
em hebraico nas Américas era um dos inúmeros exilados em Amsterdã, como outros
judeus portugueses e espanhóis que lá encontraram grande liberdade e
prosperidade. Existe ainda hoje em perfeitas condições a Grande sinagoga de
Amsterdã, conhecida como a Esnoga da Portugees Israelitisch Gemeente
(Comunidade Israelita Portuguesa, em Neerlandês). A outra sinagoga de Recife,
em Mauricia, era a Maguen Abraham dirigida pelo rabino Moses Raphael de
Aguilar. Calcula-se que havia nas duas comunidades recifenses 600 pessoas que
professavam a religião judaica. Embora existissem muitos cristãos-novos no
Nordeste brasileiro, poucos retornaram a fé de seus ancestrais, a maioria ficou
com o temor de os portugueses expulsarem os holandeses, fato que terminou
ocorrendo, para não serem novamente perseguidos. Com a expulsão dos batavos,
muitos judeus retornaram a Holanda, se internaram nos sertões nordestinos ou se
dirigiram para suas colônias americanas, como Suriname, Curaçao, e outras ilhas
do Caribe além de Nova Amsterdã, a atual Nova York. Teriam sido 23 judeus
saídos de Recife os fundadores da primeira comunidade judaica dos Estados
Unidos existente ainda hoje, a Shearith Israel. Como prova, existe uma lousa no
cemitério comunal onde se lê o nome de Benjamin Bueno de Mesquita, um dos ex-moradores
do Recife holandês. Proveniente de Amsterdã, Manuel Viegas vivia no Espírito
Santo onde cuidava dos negócios de seu pai Antonio Martins Viegas residente na
capital holandesa. Viegas Júnior, como era conhecido, foi solicitado, em 19 de
abril de 1627, pelo comerciante holandês Leonard De Beer, a ajudar seu
compatriota Dirck Pietersz que estava no Brasil para carregar um navio com
madeira, conforme nos relatam os arquivos notariais de Amsterdã.
Passado o ciclo
holandês, as perseguições aos cristãos-novos no Brasil recrudesceram, quando
muitos foram levados presos para a Metrópole, e depois uma parte deles foi
"relaxada ao braço secular", isto é, condenados à morte na fogueira
depois dos Autos-de-Fé. Estas cerimônias eram procissões de condenados trajando
os sambenitos e chapéus cônicos (as carochas), com uma vela numa das mãos,
transformadas em espetáculos populares assistidos inclusive pela realeza,
nobreza e autoridades eclesiásticas. Era o espetáculo dos horrores de uma época
de intolerância religiosa e de pensamento que avassalava a nação lusitana. As
fogueiras ardendo na Ribeira, geralmente nas madrugadas, tiraram a vida de
pessoas que queriam somente ter a liberdade de consciência. O mais famoso
condenado brasileiro foi o advogado, poeta e dramaturgo Antonio José da Silva,
de alcunha "O Judeu", nascido no Rio de Janeiro em 1705, de família
cristã-nova da classe média e pertencente à comunidade judaizante do Rio de
Janeiro, com centenas de integrantes da qual faziam parte muitos senhores de
engenho, mercadores e autoridades. Toda sua família foi presa e levada para
Lisboa, onde depois de o terem prendido pela segunda vez, foi condenado à morte
na fogueira aos 34 anos de idade. Ele chegou a estudar Direito em Coimbra,
porém ficou famoso por suas obras no teatro de fantoches do Bairro Alto de
Lisboa, sendo considerado, hoje, um clássico da literatura portuguesa. Foi
garroteado e queimado na Ribeira, em Lisboa, aos 18 de outubro de 1739, mais de
dois anos após a fundação do Rio Grande de São Pedro, feita em 19 de fevereiro
de 1737, pelo brigadeiro José da Silva Pais. Isto prova que enquanto o Rio
Grande do Sul estava nascendo e povoado, as fogueiras da Inquisição ainda
crepitavam...
Além dos Estados
do Nordeste brasileiro, havia cristãos-novos em todo o Brasil, ou como dizem
alguns historiadores em todos os poros da colonização portuguesa, mas digo
ainda mais, eles estiveram e alguns descendentes ainda estão, em todas as
partes do mundo. Foram estudadas até agora as comunidades do Rio de Janeiro,
Espírito Santo, São Paulo e Minas Gerais, principalmente durante o Ciclo do
Ouro e do Diamante. A região Sul, como sendo mais recente na formação
brasileira, ficou meio esquecida de nossas universidades e seus pesquisadores.
Eu sei que é árdua a missão, entretanto depois de trinta anos de pesquisa sobre
esse tema posso dizer que vejo uma luz no fim do túnel. Os cristãos-novos
vieram para o Sul com os bandeirantes, pela imigração de Portugal e
principalmente pela imigração proveniente dos Arquipélagos dos Açores e da Madeira.
Nos estudos do Prof. José Gonçalves Salvador, catedrático da USP-Universidade
de São Paulo, estão desvendadas muitas atitudes de bandeirantes e mesmo
confissões de fé judaica. O professor demonstra com clareza, quer através de
genealogias, de costumes praticados, de documentação inédita por ele compulsada
nos Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa, que os cristãos-novos,
judaizantes ou não, influenciaram muito a formação de nosso país. Ao
bandeirante Raposo Tavares, cuja mãe Maria Pinheiro da Costa era uma
cristã-nova da cidade de Beja no Alentejo, foi-lhe perguntado pelo padre
espanhol Cristóbal de Mendoza, em Jesus-Maria, povoação arrasada por ele no
território do atual Estado do Rio Grande do Sul, "acerca do título que se
estribara para lhes mover guerra, declarou que 'pelo título que Deus lhe dava
pelos livros de Moisés". Outros bandeirantes citados por Salvador como de
etnia hebraica: André Fernandes, João e Manuel Preto filhos de Amador Bueno
(dos judeus Boino da Espanha); Belchior Dias Carneiro, Manuel Pires e Jerônimo
Pedroso de Barros. Fernão Dias Paes Leme não era dessa etnia, mas era casado
com uma cristã-nova. Todos com passagem pelo território gaúcho.
Cristãos-Novos açorianos e madeirenses
no Brasil
Eram numerosos
os cristãos-novos portugueses que se movimentavam da Metrópole para as
colônias, mercadejando ou simplesmente imigrando para lugares mais seguros para
as suas famílias, e as ilhas atlânticas não foram exceções. Os judeus
portugueses estiveram, como já disseram alguns historiadores, em todos os poros
da colonização portuguesa. Eu diria que eles trilharam por todos os cantos do
planeta, e ainda hoje são encontrados seus vestígios nos mais distantes ou
diferentes países. Sem contar as colônias do Caribe, as Índias de Castela, a
América do Norte e as colônias africanas. Os próprios judeus açorianos estão
presentes em todo lado. Vem para o Brasil no final do século XVII o
cristão-novo Pedro Fernandes de Mello, comerciante da Ilha de São Miguel. Com o
perdão de 1605, muitos se aproveitam para saírem de Portugal, indo muitos para
a Holanda. Entretanto em 16l8, chega à Ilha Terceira um barco com 40 judeus
portugueses provenientes da Holanda, entre eles Antonio Rodrigues Pardo. De São
Miguel, chega ao Rio de Janeiro o mercador judeu Manuel Homem de Carvalho, da
família Homem de Almeida que teve como mártir em Coimbra o Dr. Antonio Homem,
líder religioso dos judaizantes. Manuel confessou ter retornado ao Judaísmo na
Holanda onde havia estado. Um pouco antes de 1600, vêm para a Bahia os
cristãos-novos terceirenses Antonio Rodrigues Pardo e Pero Garcia. Em 1592, o
Pe. Jerônimo Teixeira Cabral, comissário da Inquisição nos Açores, denuncia a
infiltração de cristãos-novos na Igreja como clérigos. Muitos partidários de D.
Antonio Prior do Crato, pretendente ao trono português, e de etnia hebraica,
são expulsos da Ilha por Felipe II da Espanha, então detentor das duas coroas
Ibéricas, que fugiram para os Países Baixos e para o Brasil. Entre eles, Manuel
Serrão Botelho, que chega ao Brasil logo após 1582. Um contratador dos Açores
foi o cristão-novo Miguel Gomes Bravo, natural do Porto que nomeou como
arrendatário o cristão-novo Francisco Bocarro. Miguel veio para o Brasil em
1585, e em 16l0 vai morar no Rio de Janeiro. Era casado com Isabel Pedrosa de
Gouveia, tendo grande descendência. Álvaro Fernandes Teixeira, natural da Ilha
Terceira, cristão-novo casado com Maria de Azevedo, filha do cristão-novo Diogo
Cristóvão, do Porto, e seus parentes vieram residir no Rio de Janeiro no século
XVII. Da ilha de São Miguel, vem residir na mesma cidade o cristão-novo Pedro
Fernandes de Mello, casado com a congênere Ana Garcia de origem espanhola.
Diogo Teixeira de Azevedo, cristão-novo nascido no Rio de Janeiro e filho do
casal da Ilha Terceira, Álvaro Fernandes Teixeira e Maria de Azevedo, foi preso
pela Inquisição e saiu em Auto-de-Fé em Lisboa em 5 de abril de 1620, condenado
a hábito penitencial e cárcere a arbítrio terminou solto em junho daquele mesmo
ano .
III – CRISTÃOS-NOVOS NOS AÇORES
Nos primórdios da colonização
O Arquipélago
dos Açores formado pelas nove ilhas, São Miguel, Terceira, Faial, São Jorge,
Santa Maria, Pico, Flores, Graciosa e Corvo, descoberto pelo navegador Diogo de
Silves em 1427, e depois povoado pelo frei Gonçalo Velho Cabral com portugueses
do continente, seguidos por famílias flamengas (belgas e holandesas),
francesas, inglesas e de outras minorias étnicas, foi abrigo, também, dos
cristãos-novos fugitivos da Inquisição. A presença judaica nos Açores é anotada
pelo grande historiador, de origem judaica, Alexandre Herculano, em sua
monumental obra "História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em
Portugal" à página 80 do volume I, como fato ocorrido em 1501: "uma
caravela lotada de cristãos-novos, que saíra de Portugal para a África, batida
pelos temporais arribou aos Açores, e os infelizes passageiros, presos aí e
condenados depois a serem escravos, foram dados de presente por El Rey a
Vasqueanes Corte-Real". O historiador Alfredo da Silva Sampaio também cita
o mesmo naufrágio na Ilha Terceira, diz ele: "em 1501 aportaram a Ilha
Terceira náufragos hebraicos fugindo à perseguição". Em Angra do Heroísmo,
na Ilha Terceira, há uma freguesia denominada Porto Judeu, cujo nome é
explicado pelos moradores que, em épocas passadas, o mar estava bravio e então,
passaram a chamar o lugar de "judeu". Mas esta explicação e este
significado, embora usado por pescadores de origem açoriana em Santa Catarina,
não convence. Aquela localidade pode ter sido o local onde tantos cristãos-novos
desembarcaram como náufragos ou não. O navio citado por Herculano e Sampaio não
é o único citado em documentação. Outro barco é mencionado na "Carta de
Gaspar Dias de Landim, a El Rey, sobre a prisão de indivíduos que fugiam à
Inquisição, de 19 de novembro de 1548", onde descreve: "Senhor – Eu
tenho escrito a V.A. como há muitos dias estou neste porto esperando Pero Vaz
de Siqueira, pêra me pasar aos luguares a fazer os paguamentos, como me V.A.
mamda," e em seguida cita "...a dez de novembro tomou a justiça desta
vila ( Santa Maria) na barra embarcados em hua nao, dezanove omens em que yão
molheres e moços, os quais yãm na via de Veneza; acharão-lhe pouquo dinheiro,
comtia de dozentos cruzados e algum fato (roupa);são de Lixboa, çapateiros, e
tudo um casal de filhos e gemros, ficam presos por parte da santa Imquisição. O
Senhor Deos acrecente a vida e real estado de V.A.; do porto de Santa Maria (
Açores) a XIX ( 19) de novembro de 548 (1548) – Gaspar Dias de Landim – sobre
scripto – A elrey nosso senhor". (Arquivo Nacional da Torre do Tombo,
Corpo Cronológico, Parte 1ª, maço 81 n° 85).
O mesmo Sampaio,
já mencionado, diz que, em 1558, a comunidade cristã-nova dos Açores pagou
150.000 cruzeiros exigido pela rainha regente Dona Catarina para prover as
armadas da Índia. Em troca, D. Catarina prorrogou a pena de confisco de bens
aos cristãos-novos por dez anos.
A ação inquisitorial nos Açores
Em 1592, o
Inquisidor nos Açores Pe. Jerônimo Teixeira Cabral, denuncia a infiltração de
cristãos-novos na Igreja como clérigos. A primeira ação inquisitorial nos
Açores foi em 1555, quando o bispo de Angra, D. Frei Jorge de Santiago mandou
verificar vários casos de Judaísmo, mandando prender alguns homens e enviá-los
para Lisboa. Dois anos após foram enviadas para Lisboa 22 pessoas acusadas de
práticas judaicas. São elas: Ana Lopes; André Moniz; Antonio Fernandes; Branca
Dias, Cecília Rodrigues, Diogo Lopes; Fernão Lobo; Francisco Lopes; Mestre
Gabriel; Gabriel de Andrade; Henrique Ribeiro; Inês Dias; Isabel Mendes; Isabel
Moniz; Isabel Pinta; João Tomás; Jorge Álvares; Manuel Álvares; Rui Dias; Rui
Fernandes e Violante Henriques. Logo seguiram para a capital da Metrópole: Pero
Galvão; Antonio Carvalhais; Jácome Gonçalves e Maria Dias. Já em 1608 começava
a ser montada a rede de funcionários inquisitoriais. Iniciando pelos
Comissários do Santo Ofício, e logo em 1612 a dos Familiares (os esbirros mais
infames). Entretanto, desde 1597, já atuava como Comissário da Inquisição em
Ponta Delgada o pe. Luís Pinheiro, reitor da residência da Companhia de Jesus
e, como primeiro Familiar, o tanoeiro Pero Fernandes, residente em Ponta
Delgada. E, em Angra, atuava como Comissário o Pe. Francisco Valente, reitor do
Colégio Jesuíta. Para a Ilha do Faial, somente em 1749 foi nomeado Comissário o
frei José de Santo Antonio de Pádua. Existiram comissários do Santo Ofício no
arquipélago açoriano até 1806 quando, então, perseguiam os franco-maçons.
Outros burocratas da Inquisição eram os Notários, os Qualificadores e os
Visitadores das Naus. Havia também o trabalho de redução de estrangeiros, que
procuravam converter para o catolicismo como foi o caso da família inglesa
Fisher, residente no arquipélago. A primeira Visitação ao arquipélago foi a de
D. Marcos Teixeira entre 1575-1576, o mesmo que esteve no Nordeste do Brasil.
Ele visitou as ilhas de São Miguel, Terceira e Faial. A segunda foi em 1592,
feita por D. Jerônimo Teixeira Cabral, tendo visitado as ilhas Terceira e São
Miguel. Já a terceira e derradeira visita, foi realizada entre 1619-1620, por
D. Francisco Cardoso do Torneio, que esteve nas ilhas de São Miguel e Terceira.
Do total de 354 pessoas denunciadas, 172 foram por Judaísmo que, somadas às 27
prisões de 1555-1557, totalizam 199 cristãos-novos denunciados nos Açores.
Foram gerados 114 processos entre 1557 e 1802, envolvendo 112 pessoas, sendo
apenas 26 pela "heresia judaica". E, destes, somente 10 foram
enviados a Lisboa, e apenas três condenados à morte na fogueira. Os condenados
à pena capital foram: Leonor Marques, em 1584; Antonio Borges, em 1559 e Maria
Lopes, em 1576.
A produção maior
do arquipélago açoriano nessa época era o trigo, o linho, o vinho a urzela, uma
tintura de cor castanha e o pastel, tintura em tom de azul, largamente
utilizadas nas indústrias têxteis de Flandres para onde eram exportadas. Este
comércio chamava a atenção de cristãos-novos como Duarte da Silva, rico
comerciante de Lisboa. Ele mantinha nos Açores os agentes: Simão Lopes, na ilha
do Faial, João de Afonseca Chacon e ilha Terceira Pero Martins Negrão, todos da
grei judaica. O comércio do ouro, da prata das Índias de Castela e o açúcar da
Madeira despertam o interesse dos judeus portugueses de Amsterdã, Londres,
Bordéus, Hamburgo e também seus parentes residentes em Portugal colônias. Era o
começo do século XVII e os mercadores Belchior Gomes de Leão e Diogo Lopes de
Andrade agem neste contexto principalmente na Madeira. De Rouen, França, o
judeu Simão Lopes Maciel, de família cristã-nova fugitiva da Inquisição
portuguesa, desenvolveu uma rede de comércio internacional colocando na Madeira
como representantes seus os congêneres Bento de Matos Coutinho e Diogo
Fernandes Branco. Na Ilha Terceira mantinha os cristãos-novos Antonio Dias
Homem e Bento Fernandes Homem. Para o Brasil designou o correligionário Belchior
Rodrigues Ribeiro. Viviam como judeus em Amsterdã os madeirenses Jerônimo de
Andrade e Manuel Cardoso ambos com suas famílias. Outro comerciante judeu
português que comerciava com os Açores a partir de Amsterdã foi Jerônimo Doria
de Andrade conforme registros no Arquivo Municipal daquela capital holandesa em
18 de março de 1627. Em Cabo Verde era fornecedor de "peças", isto é
escravos negros africanos, o cristão-novo Manuel Caldeira juntamente com seu
congênere Luiz de Carvalhal que atuava também em todo Golfo e rios da Guiné.
Negociavam, juntamente com João Soeiro da Madeira, escravos para as Antilhas e
outros países. Com negócios de ouro e prata e dono do navio "São
Mateus" passa pelo Rio de Janeiro e vai ao Prata, o mercador judeu português
Bartolomeu Rodrigues, em 1609. Em Buenos Aires desde o início da colonização,
mas principalmente em 1618, quando chega ali chega uma embarcação lotada de
cristãos-novos proveniente da Bahia, a população local é considerada de maioria
portuguesa e judaica. Fato que alarmou os clérigos da cidade que solicitaram
providências às autoridades da Inquisição espanhola. A explicação para a fuga
de cristãos-novos brasileiros para o Prata era a de que se alarmaram com a
notícia vinda de Lisboa dizendo que nova Visitação do Santo Ofício estava
programada para o Brasil naquela época. Com a quantidade de judeus portugueses
em Buenos Aires o termo português tornou-se sinônimo de judeu em toda a América
espanhola.
Costumes, hábitos e crenças judaicas
Os
cristãos-novos encontraram nas Ilhas Atlânticas um local privilegiado para seu
estabelecimento, uma vez que, ali, podiam praticar mais ou menos, livremente,
seus rituais cripto-judaicos, pelo menos, longe da Inquisição, que só esteve em
três das nove ilhas, como vimos. Essas crenças e costumes, resumidamente, eram
os seguintes: dizer que a Lei de Moisés é mais suave e mais delgada que a de
Cristo; invocar o Deus de Israel; a guarda do sábado, o Shabat, não trabalhando
nesse dia; limpar candeeiros e neles colocar azeite limpo e torcidas novas às
sextas-feiras, vestindo camisas lavadas e lançando lençóis limpos na cama, além
de casarem nesse dia da semana; dizer orações em língua hebraica; a recusa em
comer carne de porco, lebre, coelho, aves asfixiadas ou afogadas e peixe sem escama;
tirar a gordura e o sangue da carne; refogar os alimentos com azeite; degolar
animais cortando-o de alto a baixo com uma faca afiada e rezando uma oração e
deitando fora o sangue do animal; fazer cerimônias judaicas como o jejum da
Rainha Ester ou do Purim; o jejum de Yom Kippur, jejum Maior ou do Perdão, em
setembro; a Páscoa do pão ázimo, o Pesah ou do cordeiro, em março; usar
alguidar ou louças e utensílios novos nesses dias de festa. Além desses
costumes, eram praticados os seguintes: carpir meneando o corpo e amortalhar os
defuntos colocando-lhe uma moeda na mão; despejar toda a água existente na casa
quando falecia alguém por acreditar que o anjo da morte lavasse a espada com
que matara o falecido; lançar uma moeda ou peça de ouro na água do banho dos
recém nascidos; olhar para o oriente meneando o corpo; a benção judaica e a
circuncisão. E, também, o conhecimento de lendas e histórias judaicas. Toda
essa tradição era transmitida à família pela via feminina. A condenada à morte
na fogueira Maria Lopes, denunciada pelo filho Fernão Lopes, de praticar ritos
judaicos tinha, entre seus pertences, rezas escritas em hebraico que,
traduzidas, se verificou tratar, dentre outras, do Shemá Israel (Ouve ó
Israel), um trecho: "Ouve ó Israel. Adonai é nosso Deus. Adonai é uno.
Bendito é o nome para a eternidade e perfeição". Nem os nobres escaparam
da perseguição da Inquisição nos Açores. D. Rodrigo da Câmara, Conde da Vila
Franca, preso em 1650, em São Miguel, foi condenado à prisão perpétua com a
perda de honras e títulos. D. José, seu filho, conseguiu herdar o título mudado
para Conde da Ribeira Grande. É sabido que os Câmaras descendem todos de João
Gonçalves Zarco, natural de Matosinhos, Portugal, que adotou o sobrenome Câmara
de Lobos e depois somente Câmara, referindo-se a uma gruta na Ilha da Madeira
que era refúgio dos leões marinhos, descobridor da Ilha da Madeira e Porto
Santo. Os Zarcos descendem de família judaica espanhola, provavelmente fugida
dos massacres de Sevilha de 1391. Em Portugal, convertidos ao cristianismo,
logo se tornaram fidalgos e obtiveram mercês reais ao entrarem para a Ordem de
Cristo, a antiga Ordem dos Templários, sediada no castelo de Tomar. Exatamente
nessa cidade existe, ainda hoje, uma das duas sinagogas reconhecidas oficialmente
como representantes dos antigos templos das comunidades hebraicas. A outra, é a
sinagoga de Castelo de Vide, ambas transformadas em museus judaico-portugueses.
O grande Fernando Pessoa, descendente de Martinho da Cunha Pessoa de Oliveira,
pertencente a uma numerosa família de cristãos-novos judaizantes do Fundão,
tinha conhecimento de sua origem, daí a explicação para seus heterônimos.
Pessoa dedicou um poema ao Infante D. Henrique a cuja Casa pertencia João
Gonçalves Zarco, navegador descobridor da ilha de Porto Santo com Tristão Vaz
Teixeira (1418) e da ilha da Madeira com Bartolomeu Perestrello, navegador
italiano (1419). Eis o poema que publicou em Mensagem:
O Infante
Deus quer, o
homem sonha, a obra nasce. Deus quis que a terra fosse toda uma, Que o mar
unisse, já não separasse. Sagrou-te, e foste desvendando a espuma, E a orla
branca foi de ilha em continente, Clareou, correndo, até ao fim do mundo, E,
viu-se a terra inteira, de repente, Surgir, redonda, do azul profundo. Quem te
sagrou criou-te português. Do mar e nós em ti nos deu sinal. Cumpriu-se o Mar,
e o Império se desfez. Senhor, falta cumprir-se Portugal!
Vestígios atuais da presença judaica nos
Açores
No início do
século XIX, vieram para a Ilha Terceira, imigrantes judeus marroquinos, muitos
deles descendentes de judeus fugitivos de Portugal. Já em 1835, constroem
sinagoga e cemitério naquela ilha. A família de maior destaque é a Bensaúde,
que teve e continua tendo grande influência nos Açores e Portugal até os dias
atuais. Empresas de transporte, inclusive aéreo, entre as ilhas e o continente,
são desta família. O presidente português Jorge Sampaio é Bensaúde por parte
materna, entretanto, em sua maioria, se tornaram cristãos-novos. Nos Açores que
se tenha conhecimento, existe apenas um judeu da família Waldemar, do ramo
Sefaradita (ibérico), e uma senhora judia norte-americana aposentada, do ramo
Asquenazita (germânico). A sinagoga está semi-destruida, bem como os três
cemitérios. A família Azulay, residente no Rio de Janeiro, descende de judeus
açorianos de origem marroquina.
Em 1976, o
capitão-aviador norte-americano Marvin Feldman, de fé judaica e sediado na base
aérea de Lajes, na Ilha Terceira, relatou na revista Herança Judaica número 26
de 1976 ao articulista Aaron Zeff ter comprado uma Torá, rolo contendo o
Pentateuco hebraico, numa taberna por apenas cinco dólares, mas teve que
entregá-la para as autoridades ao sair do Arquipélago. Encontrou também, um
cemitério com inscrições em hebraico, mas isto se explica por ter havido nos
Açores uma comunidade judaico-marroquina. Contou ter encontrado uma comunidade
marrana, cripto-judaica ativa, porém clandestina. Diziam praticar o Judaísmo
secretamente com medo da repressão da ditadura de Salazar. Mal sabiam eles que
Salazar era descendente direto de judeus. Sua sétima avó, Catarina Salazar,
cristã-nova de Coimbra residia na rua Corpo de Deus, freguesia de São Tiago. De
seu lado paterno por parte dos Andrades de Trancoso, é suspeito de descender de
judeus e era também cristão-novo por parte de uma avó paterna da família
Gaspar, da localidade de Tábua. Recentemente, a canadense Maria Pimentel,
residente em Toronto e filha de açorianos, relatou que num jornal ilhéu daquela
cidade, foi publicada uma notícia do achado de uma Sefer Torá (o Pentateuco,
rolos escritos em hebraico antigo em pele de carneiro), numa gruta da
localidade de Rabo de Peixe, na Ilha de São Miguel. Segundo e-mail por ela
enviado em 11 de novembro de 2002, a Torá teria sido levada à Europa para ser
autenticada e lá teria sido datada como sendo do século XVI. Entretanto, os
pesquisadores açorianos por ela contatados em sua visita ao Arquipélago, não
sabiam dar maiores informações desse achado de grande importância para história
judaico-portuguesa-açoriana.
IV - Cristãos-novos na Ilha da Madeira
E, em 1638,
chegam à Madeira judeus portugueses provenientes de Rouen, França, na maioria
da família Cáceres. Pero ficou na Madeira, Jerônimo foi para o Rio de Janeiro,
enquanto Antonio ficou em Rouen. Estava assim formado um perfeito triangulo
para negócios entre parentes da mesma religião. Era a globalização
mercantilista em andamento e a todo vapor entre continentes e ilhas. O contrato
do açúcar na Madeira está nas mãos do cristão-novo Miguel Gomes Bravo, sob
fiança do correligionário Francisco Bocarro. Em 1617 numa Visitação da
Inquisição à Madeira, foram denunciados os judeus: Manuel Álvares Fausto,
ouvidor de Funchal; Faustino Dias, boticário; Diogo Barbosa, ourives; Bento de
Matos Coutinho, licenciado; Manuel Tomás, mercador e Rabino da comunidade
judaica secreta da Madeira; Luis Fernandes de Oliveira, contratador da Fazenda
e Simão Roiz Rodrigues Vila Real, sogro de Luís e que teve uma irmã queimada
pela Inquisição. Esses judeus madeirenses eram ativos no comércio com seus
congêneres da França, Inglaterra e Holanda. Desse último país há o registro no
Arquivo Notarial de Amsterdã, do contrato de três de maio de 1627, feito pelos
judeus portugueses, lá refugiados, Francisco da Costa d'Elvas e Matias
Rodrigues Cardoso, de fretamento do barco De Liffde pertencente ao holandês
Pieter Franssen, para o transporte de mercadorias de e para a Ilha da Madeira.
As Ilhas serviam de trampolim para o Caribe, o Brasil e o Rio da Prata. Talvez
o judeu mais famoso nascido na Madeira tenha sido Manuel Soeiro, de família
abastada de mercadores locais, que após ter passado pela França, chegou a
Amsterdã, onde estudou para tornar-se o famoso Rabino Menasseh Ben Israel. Na vida
laica era editor e impressor, tendo produzido grandes publicações de autores
judeus portugueses e espanhóis da comunidade holandesa e alemã sefaradita. Seu
Parente João Soeiro chega ao Brasil como contratador de escravos e comércio com
embarcações próprias. Outro madeirense da etnia judaica foi Paulo Cardoso de
Vargas que casou na Bahia com Margarida Diniz filha dos cristãos-novos Diniz
Bravo e Beatriz Nunes Diniz, em 1663.
V - A Imigração Açoriana e Madeirense
para o Rio Grande do Sul e Santa Catarina: segredos que começam a ser
desvendados
Os segredos e
mistérios acerca de serem ou não descendentes de cristãos-novos, pelo menos uma
parte dos imigrantes ilhéus para o sul do Brasil, no final de século XVIII,
começam a ser desvendados. A própria Enciclopédia Britânica cita uma
informação, não se sabendo de onde retirada, que os casais açorianos que
povoaram Porto Alegre seriam cristãos-novos, isto é, judeus portugueses. Na
verdade, nada ficou provado até o momento, mas como vimos anteriormente sobre a
presença judaica nas Ilhas Atlânticas, é fácil deduzir que alguns casais ou
cônjuges certamente eram de descendência judaica, e que trouxeram em sua
bagagem uma parcela da herança judaica que conseguiram manter secretamente em
seus lares. E, esse é o nosso objetivo o de levantar o véu que encobre os
segredos desse passado tenebroso e que algumas pessoas gostariam que ficassem
enterrados para sempre. Os reflexos tanto no Rio Grande do Sul como em Santa
Catarina com certeza foram de grande efeito embora não tenham ainda sido
dimensionados. Algo da cultura judaica está classificada nos estudos de
folclore e considerado como tal sem conhecerem os estudiosos os traços judaicos
que permaneceram vivos depois da grande devastação causada pela "Santa
Inquisição". O Tribunal do Santo Ofício da Inquisição pouco fez contra a
grande quantidade de refugiados nas ilhas, e poucos foram os denunciados e
sentenciados. Nos Açores, apenas três ilhas foram visitadas pelos esbirros
inquisitoriais: São Miguel, Terceira e Faial. Os cristãos-novos que viviam nas
outras ilhas nem foram molestados. Na Madeira e Porto Santo, muito poucos foram
presos e condenados, e é sabido que lá existia uma grande comunidade secreta de
cristãos-novos portugueses, da qual fazia parte o comerciante Domingos Mendes
de Cea, notório judaizante que lá residia no final do século XIV. Como saber se
haviam cristãos-novos entre os chamados "casais de número"? Os
documentos existentes da época não esclarecem nada porque ninguém declarava
suas crenças secretas, eis que sabedores da perseguição religiosa ainda em
vigor quando da chegada ao extremo sul brasileiro. Na documentação, podemos ver
apenas sutilezas e um ou outro detalhe, certamente judaico, principalmente nos
inventários. Como, por exemplo, as esmolas depois da morte de pessoa da família
lembrando a "Sedacá", a caridade judaica ainda hoje praticada pelos
judeus de todos os ritos. É apenas um dos fatos mencionados no livro "A
Vila da Serra" de Clóvis Stenzel Filho, juntamente com outros costumes
judaicos existentes entre descendentes de açorianos no município de Osório no
final do século XIX, quando era chamada de Conceição do Arroio.
É justamente aí,
nos costumes e crenças que poderemos descobrir as origens judaicas de muitos
açorianos gaúchos e catarinenses. Em Florianópolis algumas famílias de origem
açoriana sabedoras de suas origens, freqüentam às vezes a sinagoga local fato
que ocorre em diversos pontos do Brasil. É naquela capital, também, comum a
fabricação do pão torcido, conhecido pelos judeus como "chalá". O
nome Raquel é muito usado entre as filhas de descendentes de ilhéus. No Rio
Grande do Sul, já temos catalogado diversos costumes judaicos praticados tanto
pelas populações de descendentes de açorianos, como de luso-brasileiros
provenientes de São Paulo. Só para citar alguns: o "sinu saimão" ou
"sin salamão", a estrela de Salomão de cinco pontas, símbolo mágico
de origem judaica e conhecido desde o Brasil colonial, é largamente usado como
proteção de barcos, portais de casas e janelas, lembrando uma
"mezuzá" ( caixinha contendo orações e salmos usada pelos judeus para
proteção de seus lares) além de roupas de crianças recém nascidas ou como
amuleto no pescoço. O bebê não pode antes de ser batizado ficar sem iluminação
no quarto porque os espíritos maus podem atacá-lo. Isto é, simplesmente, a
lembrança da deusa-demoníaca Lilith, que roubava e matava criancinhas, lenda do
imaginário judaico levado para Portugal. Derramar a águas de todos os cântaros,
após o falecimento de uma pessoa em casa, era praticado até poucos anos atrás
quando não existiam torneiras no interior gaúcho. Este costume é o mais
representativo da cultura religiosa judaica do rito sefaradita, constante
inclusive de um Siddur (livro de orações), do qual não pode haver contestações,
porque o ritual é o mesmo. O folclorista Câmara Cascudo menciona a larga
prática deste costume no Nordeste além de outros tipicamente judaicos, também
encontrados no Rio Grande do Sul. A coletânea destes costumes e sua prática
ainda em nossos dias serão divulgadas juntamente com entrevistas e relatos
contando fatos inéditos, como o Romance medieval português, Dona Silvana ou
Silvaninha, preferido de judeus portugueses que se espalharam pelo mundo e o
cantaram até na Bósnia-Herzegovina. Em nossos próximos trabalhos serão
relatados mais detalhes desses costumes reprimidos pelo medo da Santa
Inquisição e pelas repressões ditatoriais. São fatos que desagradam muita gente
que preferem não lembrá-los devido ao horror desses tribunais que grassaram em
diversos países da Europa, consumindo pela labareda das fogueiras a vida de
milhares de pessoas inocentes, pelo simples fato de quererem ter outro credo,
discordar dos dogmas cristãos vigentes ou simplesmente desejarem liberdade de
consciência.
Na História do
surgimento do Estado do Rio Grande do Sul, tem a mão firme de muitos
cristãos-novos que podem não ter sido judaizantes, mas tinham a amizade destes
no Brasil colonial. Todo o empreendimento da fundação da Colônia do Santíssimo
Sacramento às margens do Rio da Prata, em 1680 teve o concurso de diversos
cristãos-novos, incluindo entre eles o próprio governador D. Manuel Lobo com
origens cristãs-novas bem como seus principais auxiliares. Essa praça
portuguesa plantada defronte a Buenos Aires que serviu mais ao contrabando da
prata de Potosí e mais tarde trocada pelos Sete Povos das Missões teve papel
fundamental na colonização do Rio Grande do Sul. O próprio madeirense Jerônimo
de Ornellas Menezes e Vasconcelos, primeiro povoador de Porto Alegre, onde
recebeu sesmaria em 1740, que era de família fidalga da ilha da Madeira e
descendente de príncipes e reis de toda a Europa, tem em sua ascendência
descendentes de judeus como João Gonçalves Zarco, que se tornou Câmara, dando
início a essa linhagem que hoje existe em diversos países, e os De La Rua,
espanhóis cujo nome denuncia a origem cristão-nova, porque essa Rua era
exatamente o "Kahal" dos Judeus, "La Calle" ou "La
Juderia", como diziam os espanhóis. A infiltração de cristãos-novos na
nobreza européia é por demais sabido, eis que até a Casa de Bragança tem uma
cristã-nova em sua origem. Daí, talvez, o interesse de D. Pedro II em aprender
o hebraico, corresponder-se com rabinos franceses e adquirir uma Sefer Torah,
(rolos do Pentateuco em hebraico) iemenita de cerca de 800 anos, uma das
relíquias deixadas por ele para o Brasil está sob a guarda da BIBLIOTECA
Nacional, no Rio de Janeiro.
V – Considerações finais
Creio que ficou
claro que nas Ilhas Atlânticas e Brasil colonial houve grande atividade dos
judeus portugueses transformados em cristãos-novos, em sua maioria à força,
pela água benta que lhes jogaram compulsoriamente. Pretendo, num próximo
trabalho, comprovar melhor a influência dos cristãos-novos na economia, cultura
e no caráter do Brasil. O caráter foi construído com muitos traços judaicos a
começar pelo jeitinho brasileiro. Nos Açores, ainda falta estudar e descobrir
muito mais sobre as atividades e costumes dos cristãos-novos, bem como na
Madeira. Sabe-se, através de documentação ainda existente, que os cristãos-novos
açorianos exerciam as mais diversas profissões como cirurgiões, advogados,
boticários, licenciados, mercadores, ourives, confeiteiros, sombreireiros (que
fabricavam chapéus) e uma série de outras atividades ligadas ao artesanato. Mas
poucos eram ricos daí, talvez, a falta de interesse da Inquisição em
processá-los já que os confiscos não valeriam a pena. A lista parcial de
sobrenomes a seguir pertence ao periodo de 1604 a 1623, encontrados em algumas
Fintas de cobrança de impostos exclusivos dos cristãos-novos, das Ilhas de São
Miguel, Terceira, Graciosa e Pico, faltando aqui das outras ilhas e de outros
períodos da História. Vejamos, então, os sobrenomes: Andrade, Azevedo, Álvares,
Alemão, Braga, Borges, Barcelos, Câmara, Cunha, Carvalhais, Cerqueira, Carlos,
Carvalho, Costa, Dias, Delgado, Duarte, Eça, Fernandes, Fontes, Gralia,
Geralda, Gonçalves, Henriques, Heitor, Jacinto, Lopes, Mendes, Medeiros,
Morais, Manuel, Pereira, Preto, Piseiro, Rodrigues, Ruivo, Santiago, Soares,
Tomás, Vaz e Vieira. Existem outros nomes e sobrenomes mencionados no texto
daqueles que foram presos e penitenciados pelo Tribunal do Santo Ofício.
Paradoxalmente, graças aos arquivos inquisitoriais existentes em Portugal,
podemos estudar melhor e sabermos os nomes e o modus vivendi desses judeus
portugueses que estiveram nas Ilhas Atlânticas e que fizeram nova diáspora para
o Brasil, para as Índias de Castela, Caribe inglês e holandês além da América
do Norte e outros países da África e Oriente.
Autor:
Sérgio
Mota e Silva
In: ROCHA, Santa Inèze Domingues da - AÇORIANOS NO RIO GRANDE DO SUL " Edições Est e Caravela, pág.
78 - 99, Porto Alegre, RS, 2005
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- São Paulo Revista Herança Judaica n° 26 - Vol. 12, Editora B'nai Brith -
1976, páginas 36 a 38.
Retirado: Genealogia FB
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Universidade Federal do Rio Grande do Sul – PPGHist
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